Variações Culturais na Capoeira



MACULELÊ

Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano, cidade marcada pelo verde dos canaviais, é terra rica em manifestações da cultura popular de herança africana. Berço da capoeira baiana, foi também o palco de surgimento do Maculelê, dança de forte expressão dramática, destinada a participantes do sexo masculino, que dançam em grupo, batendo as grimas (bastões) ao ritmo dos atabaques e ao som de cânticos em dialetos africanos ou em linguagem popular. Era o ponto alto dos folguedos populares, nas celebrações profanas locais, comemorativas do dia de Nossa Senhora da Purificação (2 de fevereiro), a santa padroeira da cidade. Dentre todos os folguedos de Santo Amaro, o Maculelê era o mais contagiante, pelo ritmo vibrante e riqueza de cores. 



Sua origem, porém, como aliás ocorre em relação a todas as manifestações folclóricas de matriz africana, é obscura e desconhecida. Acredita-se que seja um ato popular de origem africana que teria florescido no século XVIII nos canaviais de Santo Amaro, e que passara a integrar as comemorações locais. Há quem sustente, no entanto, que o Maculelê tem também raízes indígenas, sendo então de origem afro-indígena.
Conta a lenda que a encenação do Maculelê baseia-se em um episódio épico ocorrido numa aldeia primitiva do reino de Iorubá, em que, certa vez, saíram todos juntos os guerreiros para caçar, permanecendo na aldeia apenas uns poucos homens, na maioria idosos, junto das mulheres e crianças. Disso aproveitou-se uma tribo inimiga para atacar, com maior número de guerreiros. Os homens remanescentes da aldeia, liderados pelo guerreiro de nome Maculelê, teriam então se armado de curtos bastões de pau e enfrentado os invasores, demonstrando tanta coragem que conseguiram pô-los em debandada. Quando retornaram os outros guerreiros, tomaram conhecimento do ocorrido e promoveram grande festa, na qual Maculelê e seus companheiros demonstraram a forma pela qual combateram os invasores. O episódio passou então a ser comemorado freqüentemente pelos membros da tribo, enriquecido com música característica e movimentos corporais peculiares. A dança seria assim uma homenagem à coragem daqueles bravos guerreiros.



No início deste século (o XX), com a morte dos grandes mestres do Maculelê de Santo Amaro da Purificação, o folguedo deixou de constar, por muitos anos, das festas da padroeira. Até que, em 1943, apareceu um novo mestre – Paulino Aluísio de Andrade, conhecido como Popó do Maculelê, considerado por muitos como o “pai do Maculelê no Brasil”. Mestre Popó reuniu parentes e amigos, a quem ensinou a dança, baseando-se em suas lembranças, pretendendo incluí-la novamente nas festas religiosas locais. Formou um grupo, o “Conjunto de Maculelê de Santo Amaro”, que ficou muito conhecido.
É nos estudos desenvolvidos por Manoel Querino (1851-1923) que se encontram indicações de que o Maculelê seria um fragmento do Cucumbi, dança dramática em que os negros batiam roletes de madeira, acompanhados por cantos. Luís da Câmara Cascudo, em seu “Dicionário do Folclore Brasileiro”, aponta a semelhança do Maculelê com os Congos e Moçambiques. Deve-se citar também o livro de Emília Biancardi, “Olelê Maculelê”, um dos mais completos estudos sobre o assunto.
Hoje em dia, o Maculelê se encontra integrado na relação de atividades folclóricas brasileiras e é freqüentemente apresentado nas exibições de grupos de capoeira, grupos folclóricos, colégios e universidades. Contudo, convém registrar as observações feitas por Augusto José Fascio Lopes, o mestre Baiano Anzol, ex-aluno do mestre Bimba e professor de Capoeira na Universidade federal do Rio de Janeiro: “...neste trabalho de disseminação,  o Maculelê vem sofrendo profundas alterações em sua coreografia e indumentária, cujo resultado reverte em uma descaracterização. Exemplo: o que era originalmente apresentado como uma dança coreografada em círculo, com uma dupla de figurantes movimentando-se no seu interior sob o comando do mestre do Maculelê, foi substituído por uma entrada em fila indiana com as duplas dançando isoladamente e não tendo mais o comando do mestre. O gingado quebrado, voltado para o frevo, foi substituído por uma ginga dura, de pouco molejo.
“Mais recentemente, faz-se a apresentação sem a entrada em fila. Cada figurante posta-se isoladamente, sem compor os pares, e realiza movimentos em separado, mais nos moldes de uma aula comum de ginástica do que de uma apresentação folclórica requintada.
“Deve-se reconhecer que não só o Maculelê mas todas as demais manifestações populares vivas ficam sempre muito expostas a modificações ao longo do tempo e com o passar dos anos. (...) Entendo que todas essas modificações devam ficar registradas, para permitir que os pesquisadores, no futuro, possam estudar as transformações sofridas e também para orientar melhor aqueles que vierem a praticar esse folguedo popular de extrema riqueza plástica, rítmica e musical que é o Maculelê.” 

Armas utilizadas para o jogo (show).



Misto de dança e jogo de bastões, chamados grimas (esgrimas), com os quais os participantes desferem e aparam golpes. Num grau maior de dificuldade e ousadia, pode-se dançar com facões em lugar de bastões, o que dá um bonito efeito visual pelas faíscas que saem após cada golpe. O maculelê é uma dança em que envolve abatida dos bastões, sempre quando acaba cada frase da música.


 




Registramos a seguir algumas letras das músicas do Maculelê, colhidas do CD “Cordão de Ouro” – vol. IV, de Mestre Suassuna:
 
                1.  (mestre)
     Ô Sinhô, dono da casa, nós viemo aqui lhe vê,
                Viemo lhe perguntá, como passa vosmicê
 (coro)
                Ô Sinhô, dono da casa, nós viemo aqui lhe vê,
                Viemo lhe perguntá, como passa vosmicê
                               (BIS – mestre seguido do coro)
 (mestre)             Ê, como é seu nome
 (coro)  É maculelê
 (mestre)             Ê, de onde veio
 (coro)  É maculelê
 (mestre)             Lá de Santo Amaro
 (coro)  É maculelê         
                (BIS) e repetem desde 1.
 2.
 (mestre)
    Eu sou um menino
      Minha mãe soube me educar
      Quem anda em terras alheias
      Pisa no chão devagar

  (coro)
      Eu sou um menino
      Minha mãe soube me educar
      Quem anda em terras alheias
     Pisa no chão devagar

 (BIS – mestre seguido do coro, desde 2)
 3.
 (mestre)
      Eu vim pela mata eu vinha 
Eu vim pela mata escura
                Eu vi seu Maculelê        
No clarear, no clarear da lua
 (coro)
                Eu vim, pela mata eu vinha
                Eu vim pela mata escura            
Eu vi seu Maculelê         
No clarear, no clarear da lua
 (BIS – mestre seguido do coro, desde 3)
 4.
 (mestre)
                Êêêê, mas i na ora ê, i na ora á
      I na ora ê, sou de Angola
                (coro)
                i na ora ê, i na ora á
                i na ora ê, sou de Angola
 (mestre)            
i na ora ê, i na ora á
                i na ora ê, dá licença pr’ eu passar
 (coro) 
i na ora ê, i na ora á
                i na ora ê, sou de Angola
 (BIS, desde 4)
 5.
 (mestre)            
Tê, tê, tê, olha tê, tê  á,
                Tê, tê, tê, Bom Jesus de Mariá
 (coro)                  (repete)
                (BIS, desde 5)
 6.
 (mestre)            
Eu vi a luta, eu tava lá 
Eu vi a luta, eu tava lá 
Dois guerreiros se pegando dentro do canavial
 (coro)  (repete)
 (BIS, desde 6)
 7.
 (mestre)
                Lutava Maculelê na terra do Mangangá
 
     Um gritava para o outro...
      Tumba ê caboclo
 (coro)        Tumba lá e cá
 (mestre)             Ê tumba ê guerreiro
 (coro)  tumba lá e cá
                (mestre)              Ê tumba ê Popó
 (coro)  tumba lá e cá
 (mestre)             Ê não me deixe só
 (coro)  tumba lá e cá
 (mestre)             Tumba ê caboclo
 (coro)  tumba lá e cá
 (mestre)             Ê tumba ê Santo Amaro
 (coro)  tumba lá e cá
 (mestre)             Ê tumba ê Popó
 (coro)  tumba lá e cá
 (mestre)             Não me deixe só
 (coro)  tumba lá e cá
 8.
 (mestre)            
Certo dia na cabana um guerreiro        
 Certo dia na cabana um guerreiro
                Foi atacado por u’a tribo pra valê         
Pegou dois paus, saiu de salto mortal
E gritou pula menino, que eu sou Maculelê
 (o coro repete)
 (mestre)             Ê pula lá que eu pulo cá
 (coro)  Que eu sou Maculelê
 (mestre)             Ê pula lá que eu quero vê
 (coro)  Que eu sou Maculelê
 (mestre)             Ê pula eu pula você
 (coro)  Que eu sou Maculelê
 (mestre)             Ê pula lá que eu quero vê
 (coro)  Que eu sou Maculelê
 (BIS, desde 8)
 9.
 (mestre)
                Eu dei um corte de facão na samambaia
      Maculelê que é bom também não falha
 (coro)  (repete)
                (BIS, desde 9)
 10.
 (mestre)             Quando eu vou me embora, olé
 (coro)  Todo mundo chora, olé
 (BIS, desde 10)




Samba de Roda


O samba de roda é uma das variações do batuque de Angola. Conforme reza a tradição, no meio da roda, um dançarino sambava sozinho. Depois de certo tempo, através de uma umbigada, convidava um dos presentes para substituí-lo.   
 A orquestra de samba geralmente é composta por pandeiros, viola, chocalho, prato de cozinha arranhado por uma faca e, às vezes, por berimbau. O canto é puxado por uma pessoa, respondido pelos demais, acompanhado por palmas. O cancioneiro do samba de roda é muito rico e tem sido uma fonte inesgotável para o cancioneiro erudito popular do Brasil.   
 Na Bahia se faz samba de roda em muitos lugares e em muitas ocasiões, sendo porém muito animadas e comentadas aquelas que acontecem nas festas de largo de Salvador.   
 E alguns terreiros de samba de candomblé como o da Mãe Alice, o samba de roda pode ser apreciado na sua forma tradicional.  As famosas Bahianas da Mãe Alice, como Nita, Edinha, Marinalva, Joselita entre outras, fizeram parte da chamada TURMA DE BIMBA, nos anos 50 e 60. 
Na capoeira o samba de roda é utilizado em um momento de descontração pelos capoeiristas onde os homens formam a roda, mas quem corteja é a mulher, sambando no centro da roda.

Toque Samba de Roda no berimbau:





Puxada de Rede


O teatro folclórico que retrata a puxada de rede, conta a história de um pescador que ao sair para o mar em plena noite para fazer o sustento da família, despede-se de sua mulher que, em mau pressentimento, preocupa-se com a partida do marido e o assusta dizendo dos perigos de sair à noite, mas o pescador sai e deixa-a a chorar, e os filhos assustados.   
O pescador sai para o mar e leva consigo uma imagem de Nossa Senhora dos Navegantes, seus companheiros de pesca e a bênção de Deus.  Muito antes do horário previsto para a volta dos pescadores, a mulher do pescador, que ficou na praia esperando a hora do arrasto, teve uma visão um tanto quanto estranha. Ela vê o barco voltando com todos à bordo muito tristes e alguns até chorando. 
Quando os pescadores desembarcam, ela dá pela falta do marido e os pescadores dizem a ela que ele caiu no mar por conta de um descuido e que devido à escuridão da noite, não foi possível encontrá-lo, ficando ele perdido na imensidão das águas.  
Ao amanhecer, quando foram fazer o arrasto da rede que ficara no mar, os pescadores notaram que por ter sido aquela uma noite de pouca pesca, a rede estava pesada demais. Ao chegar todo o arrasto à praia, já com dia claro, todos viram no meio dos poucos peixes que vieram, o corpo do pescador desaparecido. 
A tristeza foi instantânea e o desespero tomou conta de todos ali presentes. Prossegue-se então os rituais fúnebres do pescador sendo levado à sua morada eterna pelos amigos que estavam com ele no mar, sendo seu corpo carregado nos ombros, pois a situação financeira não comportaria a compra de uma urna, o cortejo segue pela praia.

 O ritual "Puxada de Rede", executado artisticamente por diversos grupos de capoeira do Brasil, retrata e sintetiza a pesca com rede, do peixe conhecido como xaréu (peixe de carne escurecida abundante nas costas do Nordeste Brasileiro). Trata-se de um episódio de trabalho árduo, de canseira, mas, como todo trabalho dos negros baianos, é temperado com muita poesia, religiosidade, música e festa. Todos os anos, a puxada de rede se repete com os mesmos cerimoniais, com os mesmos rituais dos tempos de outrora.
 Uma tradição que não morre, mesmo porque dela depende a subsistência de centenas de famílias. Força, poder e vitalidade de corpos vão se mostrando com toda pujança no trabalho árduo da pescaria. No entanto, o mesmo é embalado pelo canto, às vezes alegre, às vezes triste, que evocam entidades protetoras. Ritual também embalado pelas batidas dos atabaques, pelos corpos que, como num bailado, movimentam-se sincronicamente, realizando mais uma tarefa gratificante que mistura sacrifício, festa e prazer.


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